sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Bom dia


Sentei na última mesa, e fiquei esperando alguém vir para anotar meu pedido.
 – Só café.
Era uma manhã de sábado e o local estava bastante cheio de pessoas vazias. Todas elas falavam sobre o trabalho, sobre a roupa de alguém, política, trânsito ou clima.  Raramente elas falavam olhando nos olhos de quem a escutava, só falavam e olham para o celular, o notebook ou para a televisão que se localizava no alto do balcão.
Adentrou naquele estabelecimento um senhor, deveria ter seus 60 anos, talvez menos ou talvez mais. Usava uma calça com alguns rasgos e uma blusa bastante suja, não calçava sapatos, apenas uma sandália de dedo. Aquela sandália não lhe cabia, deixava parte de seus pés tocarem o chão, e talvez fosse por isso que os pés dele estavam tão sujos. Não só eu o observei entrar, mas todos o observavam, porém só eu o via com tamanha admiração.
Ele procurou um local, uma mesa para se sentar, e foi informado com muita displicência por um garçom que ali não era seu lugar. Indignei-me, confesso. Gritei para ele.
– Ei, você demorou a chegar, né?! Vem para cá, sente-se aqui. Garçom, por favor, traga o meu café, e para este senhor, traga um bom cappuccino e o que mais ele desejar, e seja rápido porque creio que ele está com fome.
Aquele senhor olhou para mim surpreso, sentou-se um tanto envergonhado ao meu lado, e disse baixinho.
– Você está me confundindo com alguém.
- Não, eu não estou. Eu precisava de alguma companhia, alguém para abarcar esta solidão. E o senhor, precisava de uma mesa. Acho que não lhe confundi.
Ele riu.  – Mas eu não tenho dinheiro para pagar um cappuccino, talvez só uma pequena xícara de café.
- Quem disse que você irá pagar? Eu que te convidei, peça o que desejar. Eu pago.
O garçom se aproximou da minha mesa e com muito sacrifício sorriu, entregou-me o café. Ao senhor, deu-lhe o cappuccino, alguns croissants e um pedaço de torta.
Ele comia com bastante voracidade, e sempre que me olhava sorria.
Todos que antes ali só olhavam para seus aparelhos eletrônicos. Lançavam vários olhares surpresos para mim e para aquele senhor. Eu lhes retribuía o olhar, e ainda lhes dava um “Bom dia”.  Eles, porém, nada me diziam. Voltavam para seus mundinhos. Talvez um deles, tenha colocado um “Bom dia” em suas redes sociais. E somente isto bastava.
O senhor já havia terminado de se alimentar, olhou para mim e perguntou:
 – Por que você diz “Bom dia” para eles? Eles só estão nos olhando porque eu não mereço estar aqui, porque eu deveria era estar em um bar sujo me alimentando.
- Me desculpe, mas o senhor realmente deveria estar aqui, eles não. Eles deveriam tomar café virtualmente ou então embaixo de seus edredons. Eles não gostam da presença do ser humano, e eu não entendo porque ainda saem de suas casas para um local como este.
O senhor concordou com a cabeça. Chamei o garçom e lhe entreguei o valor da conta.
Levantamos-nos, e caminhamos até a porta. Antes de sair, um homem entrou no local, sorriu , segurou a porta para eu passar, e me disse um “Bom dia”. 
 – Bom dia!                      

Lembranças Vazias



A luz do sol invadia o quarto quando ela abriu os olhos, e percebeu que estava sozinha. Tentou se levantar, mas uma forte dor de cabeça a impediu. Procurou em sua memória algum resquício de lembrança, mas foi em vão. A dor de cabeça, de alguma maneira a impedia. O que realmente havia acontecido na noite passada, ela se perguntava.
Reuniu forças para se levantar e preparar um café.  Caminhava se apoiando nas paredes, e a distância entre o quarto e a cozinha parecia ter aumentado.
Ao chegar na cozinha, viu alguns pedaços de vidro no chão. E sentiu um forte cheiro de álcool. Viu em cima da mesa uma aliança de compromisso, que antes estava em seu dedo.
E em cada gole do café amargo, lembrava-se de algo.
Havia se alcoolizado a madrugada toda, tudo por um motivo. Motivo que agora já estava se lembrando.
- Me perdoa. O problema não é com você, é comigo. Eu sou um idiota. Você não merece isso, mas eu não posso mandar no meu coração.
Essas frases vinham em sua mente de uma forma desorganizada, soltas.
Sua cabeça doía ainda mais e lhe dava a sensação de que iria explodir e tudo que conseguia lembrar ecoava na sua mente agravando sua dor.
Com o tempo as lembranças da última noite voltavam e com elas fortes dores em seu peito. Estava tudo tão confuso até que recebeu uma mensagem no celular dizendo “Espero que esteja bem!”. Tudo retornou com total clareza e as lágrimas saíram ardentemente de seus olhos piorando a sua visão. Mesmo sem o nome de quem enviou a mensagem, ela já havia lembrado o motivo de ter apagado o número, o porquê bebeu e também o motivo de sua aliança estar em cima da mesa.
Sem acreditar sentou-se no chão, o grito preso em sua garganta a sufocava e o ar abafado trazia agonia e desespero. Lá fora o Sol que a acordara havia desaparecido. Agora, chovia bastante.
Ele terminou tudo, tudo acabou e agora o que ela iria fazer? Tinha se tornado tão dependente dele e o que lhe restou? O mundo que ele á deu se desmoronou e agora tudo estava perdido. Quem irá levanta-la quando cair? Quem será seu refúgio? Ele se foi e nada mais sobrou.
As promessas se quebraram e o que era um só se transformou no nada.
- Estou com tanto medo, como me reerguer se tua ausência me torna tão fraca, tão incapaz e mesmo longe ainda te sinto aqui. Antes que lhe enviasse isto, a bateria do celular descarregou.
Levantou-se do chão gelado, caminhou até a sala, ligou a televisão e deitou no sofá, sem perceber adormeceu ali mesmo. Adormeceu ali com sua dor, com suas incertezas, mas com a esperança ainda em seu coração.

 Conto escrito com: Filipe Araujo